OPINIÃO

Inteligência Artificial no Marketing: Ferramenta de Atalho ou Alavanca de Visão?

Por Teodoro Fernandes

Faz tempo que a ficção científica nos alertou: chegaria o tempo em que as máquinas não só responderiam, como decidiriam por nós. Não só escreveriam, como criariam e  automatizariam processos.

Este tempo, parece-me, já chegou.

Estamos a viver a maior transformação de sempre. Agora, em que tudo parece estar a acontecer em tempo real, falar de resistência, nesta perspectiva, parece meio absurdo. Vivemos obcecados pela velocidade, por métricas instantâneas e por atalhos que prometem resultados rápidos. Mas a maratona, essa corrida de fundo e fôlego, ensina-nos outra coisa: que há metas que só se alcançam com preparação, foco e consistência.

No marketing, onde a intuição, o tempo certo e a leitura cultural são decisivos, já não é apenas uma questão técnica. É uma questão estratégica e profundamente humana.

O que antes era ficção, tornou-se realidade e o que era hipótese, tornou-se hábito.

Na data presente, os modelos de linguagem conseguem rescrever artigos, desenhar campanhas, criar narrativas. Os modelos multimodais, por sua vez, processam texto, imagem, som e vídeo tudo de forma integrada. Já não estamos a falar de uma ferramenta pontual. Estamos a falar de um novo tipo de inteligência algorítmica, de probabilidades, mas cada vez mais autónoma na forma como opera e influencia o mundo inteiro.

E o marketing, que vive da combinação entre o sentido e a sensibilidade, é uma das disciplinas mais desafiadas a dar corpo a esta transição. Mas, a pergunta não mudou: estamos a viver uma revolução ou a criar um atalho para o sucesso?

Modelos de linguagem como o GPT, Claude, Gemini ou Mistral são prodígios estatísticos. Absorvem dados, reorganizam padrões, devolvem respostas com impressionante naturalidade, mas não sabem o que dizem. Apenas estimam o que, estatisticamente, faria sentido ser dito.

Estamos de acordo?

A IA não pensa, calcula. Não interpreta, compila cálculos e instruções. Da mesma forma que não tem intenção, gera probabilidade.

Eric Schmidt, ex-CEO da Google, foi claro numa das suas intervenções: “A IA não vai substituir os seres humanos. Vai substituir os humanos que não souberem usá-la.” E, é aqui que começa o debate: vamos deixar que a IA dite os caminhos, ou a vamos usar para aprofundar e melhorar a nossa estratégia?

Reconheço, todavia, a importância, e até dá imenso jeito, mas usar IA pode não ser o suficiente. É preciso saber com que intenção. Os modelos como o GPT ou o Gemini são meramente estatísticos, não semânticos, produzem com impressionante fluidez, mas não têm consciência. Até reconstroem padrões, mas não os questionam. Como bem nos lembra o Max Tegmark no livro Life 3.0, o verdadeiro risco não é a máquina ganhar consciência é ela ganhar capacidade sem consciência.

Se bem se recordam, a IA não pensa, calcula. Não escolhe, propõe e simula. Não compreende, aparenta que percebe…

E os seres humanos?

Passam de criadores a editores. O novo ciclo é: a IA cria, nós validamos.
Mas validar, implica saber o que se quer. E, mais do que nunca, implica ter visão.

No marketing, onde o que está em jogo é a percepção, a emoção e o contexto, isto pode ser libertador ou devastador. A título de exemplo, há agências de publicidade e comunicação, que já estão a redesenhar os seus processos. Não há volta a dar. Em parceria com a Microsoft, a VML criou um estúdio de IA criativa. A Wunderman Thompson integrou IA generativa na concepção de campanhas para o sector automóvel. A R/GA usa modelos de linguagem para acelerar brainstormings e desenvolver protótipos. A Ogilvy desenvolveu sistemas de IA para personalizar mensagens publicitárias em tempo real, com base em dados comportamentais. Pelo mundo fora, há um sem número de exemplos bem sucedidos.

Nos últimos dois anos, assistimos a uma onda de entusiasmo que se tornou quase fé nos poderes da IA generativa. Muitas empresas apressaram-se a produzir conteúdos automáticos, responder aos clientes com robôs e gerar campanhas com base em palavras-chave. O resultado? Quantidade, quanto  à qualidade, deixa a desejar, muito pobre.

Entretanto, permita-me elucidar: o que muda não é só e apenas a ferramenta é também o funil. A IA já não entra apenas e só fim, como auxiliar da produção. Agora, ela entra no início, e, até já faz rascunhos, propõe ângulos e testa as variações.

Houve marcas que aumentaram a sua produção e diminuíram a pertinência. Houve estratégias que deixaram de ser estratégicas e passaram a ser tragédias transformadas em respostas geradas por default. Houve líderes que confundiram a optimização com a visão. No entanto, quando bem usada, a IA pode ser extraordinária. Pode ajudar a cruzar dados, a detectar padrões ocultos, simular cenários, pode até inspirar novas abordagens criativas, mas nunca substitui a responsabilidade última, a de pensar com profundidade e decidir com critério que continua a ser uma exclusividade dos seres humanos.

Já antes tínhamos visto, Al Ries escreveu que o marketing é uma batalha de percepções, não de produtos. E as percepções são construções culturais, sociais e humanas. Atribuir a uma IA a missão de gerir estas camadas é esquecer que ela não possui contexto real. A tecnologia sabe sobre, mas não sabe de, não conhece Angola, não sente o pulso do cliente. Não percebe o sub-texto. Pode até escrever um post ou criar um som com o sotaque, mas não entende o tom, pode criar uma tagline, mas não com a intenção de mudar seja o que for. E o marketing, se não for feito com intenção, é ruído.

Apesar de tudo, não podemos negar, os agentes de IA são o próximo capítulo. Há já sistemas capazes de agir sozinhos, com acesso a múltiplas fontes e ferramentas, interagindo principalmente em ambientes digitais, aprendendo por reforço e executando tarefas complexas sem intervenção humana directa.

Já não estamos a falar de assistentes. Estamos a falar de representantes computacionais.

Estima-se que em 2027, é provável que tenhamos IA a:

  • negociar compras programáticas sem envolvimento humano,
  • gerir campanhas inteiras nos marketplaces de nicho,
  • escrever anúncios em tempo real e com base em dados e factos locais.

Mas o que é que vai acontecer quando deixarmos de perceber como se tomam as decisões dentro dessas caixas negras? Será que, nesse ponto, o marketing ainda nos pertencerá?

A inteligência artificial pode e deve ser uma alavanca para o marketing. Não apenas para reduzir custos, mas para ampliar a visão. Para apoiar o pensamento, não para o substituir, mas para gerar versões alternativas, não decisões. Podemos usá-la para estruturar informação, desbloquear ideias, desenhar soluções. Mas nunca nos devemos esquecer que, no fim, é o humano quem a interpreta.

A IA pode vir a ser a alavanca de visão que nos faltava. Pode ajudar-nos a ver mais longe, a desenhar com mais precisão, a ajustar com mais agilidade. Mas também, pode ser um atalho tentador para quem já não quer ou não sabe pensar. Lembram-se do Nelson Rodrigues?
Pois é, para quem prefere o rápido ao certo, o barato ao verdadeiro, aqui fica o aviso, agua mole em pedra dura, tanto bate até que a água acaba.

Como marketeer, se me permitem, o marketing exige critério e o critério, não se programa apenas, cultiva-se. É humano, contextual, político e emocional.

Contextualizando, é o ser humano quem arrisca. É o ser humano quem responde por aquilo que a marca decide dizer.

Tal como o lápis não escreve por si mesmo, a IA não formula estratégias. Serve quem a serve. E isso diz muito sobre quem somos e sobre o que estamos a construir. Se a usarmos para encurtar o pensamento, empobreceremos a acção. Mas, se a usarmos para clarear, ampliar e sustentar, talvez seja, afinal, mais do que um hype. Talvez seja, sim, uma ponte. Desde que saibamos para onde queremos ir.

Eu acredito, o caminho ainda é nosso, dos seres humanos.

E agora?

Este é o sexto artigo de um ciclo sobre o marketing com profundidade, coragem e verdade.

No próximo e último artigo, vamos falar de inovação, não da que se exibe em palco, mas daquela que se aplica no terreno. Vamos falar de estar à frente da curva, não por vaidade, mas por compromisso.

Porque no fim, não será a inteligência da máquina que nos distingue. Será a clareza do nosso propósito.

Até ao próximo episódio!

Teodoro Fernandes é um estratega de marcas, curioso por natureza e apaixonado por ideias que transformam. Ao longo dos anos, tem ajudado organizações a encontrarem clareza na forma como se posicionam, comunicam e actuam sobretudo em contextos onde o marketing precisa de ser mais do que um discurso.

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