Estar à Frente da Curva: O que Significa Inovar Verdadeiramente no Marketing Angolano?
Por Teodoro Fernandes

Chegamos ao fim de mais um ciclo. Como em todas as jornadas que se concluem, importa olhar para o que deixamos para trás, valorizar o que carregamos no presente e projectar o que desejamos construir. Ao longo deste percurso, uma verdade tornou-se clara: o marketing que realmente vale a pena é aquele que resolve problemas concretos.
A pergunta é simples, mas a resposta, se for séria, pode não ser rápida.
O que significa, de facto, estar à frente da curva?
Não se trata apenas de adoptar a ferramenta da moda, incorporar IA sem critério ou evocar disrupção em todas as reuniões. Em Angola, estar à frente da curva exige, sobretudo, a coragem de pensar de forma não convencional, num ambiente que muitas vezes induz à repetição sempre com os olhos postos nos resultados e no horizonte. Significa encontrar caminhos e soluções genuínas onde abundam a escassez, o ruído, a informalidade, a desconfiança e um consumidor em transformação, mas que segue o seu próprio ritmo, muito distinto de alguns modelos teóricos típico dos livros.
Ao longo dos sete artigos que compuseram este ciclo, explorei as diversas facetas do marketing que considero essenciais no contexto angolano. Comecei por defender que sem propósito não há direção, e que há uma visão distorcida do mercado (a que chamei achometria) pode ser tão perigosa quanto a cegueira total. Abordei o erro, não como tabu, mas como um activo estratégico, e reforcei que a reputação se constrói com acções consistentes, e não apenas com palavras. Usando a maratona como metáfora, sublinhei a importância da consistência a longo prazo, e lancei questões sobre o uso acrítico da IA, alertando que nenhuma ferramenta salva a falta de pensamento estratégico.
Chegados ao fim, reafirmo, com serenidade: inovar é, acima de tudo, um verbo de responsabilidade, serve para agir, não para enfeitar.
Durante sete textos, propus-me a fazer mais do que escrever sobre marketing. Propus-me a pensar com profundidade, coragem e verdade, sobre o lugar, o sentido e o impacto desta disciplina num contexto como o nosso, o de Angola.
No primeiro artigo perguntei: o marketing serve para comunicar o que fazemos ou para expressar o que somos?
Concluímos que as marcas sem propósito não resistem à turbulência. Podem ter presença, mas não têm direcção. Comunicar sem verdade é apenas ruído e o barulho não constrói reputação.
No segundo artigo, apresentei a achometria a forma de como a perspectiva influencia (ou distorce) o que observamos. No marketing, olhar de um só ângulo é perigoso. A escuta estratégica e a empatia analítica são armas contra o viés. Interpretar mal os sinais leva a decisões que, por mais criativas que sejam, falham o alvo.
No terceiro, foi sobre o erro, não como tabu, mas como um activo estratégico para as organizações. Errar é inevitável, a diferença está em saber aprender com ele. No marketing precisa-se de mais humildade metódica e menos orgulho tático. A cultura de melhoria contínua deve substituir a cultura de penalização.
No quarto artigo, revisitei um princípio simples: storytelling sem acção é teatro. As marcas que falam muito, mas fazem pouco são desmentidas pelo tempo. As que agem com consistência, mesmo que com menos visibilidade, constroem algo que o consumidor sente: A confiança.
No quinto exercício, recorri à maratona para lembrar que o marketing não é um sprint. É planeamento, foco e resistência. Não se constrói reputação com campanhas pontuais. Constrói-se com presença séria e é um trabalho de fundo, não de fogo-de-artifício.
No sexto artigo, questionei sobre o uso apressado e superficial da IA. Escrevi sobre modelos multimodais, agentes autónomos e ferramentas que já estão a transformar o marketing mas alertei: a inteligência artificial sem contexto é ruído automatizado. Usar IA é necessário, mas com clareza estratégica e sentido humano.
E chegados aqui, o que aprendemos em concreto, eu e vocês, sendo que tive de ler para dar contexto ao que escrevi? Inovar não é apenas estar a frente, é saber porquê que se avança, com quem se avança e o que se quer alcançar. Em Angola, não é um palco, é uma resposta. Quem se adapta sem copiar e resiste sem ceder ao ruído e quem faz com o que tem e ainda assim, surpreende.
No nosso país, alguns dados ainda são incompletos, os canais digitais existentes não têm penetração homogénea. A confiança na publicidade é frágil e a relação entre a marca e o cliente constrói-se mais no contacto do que no clique. Por isso, estar à frente da curva em Angola não é fazer o que se faz em Londres ou São Paulo, é reconhecer onde estamos para, e, a partir daí, propor algo novo, e isso, exige muito mais do que criatividade, exige escuta, contexto, disciplina, e um profundo respeito pela complexidade e diversidade do nosso mercado. Em suma, inovar é um exercício de verdade, não de vaidade.
Pelo menos na minha “humilde” opinião (de quem não tem opinião humilde), como já se viu em muitos mercados, a curva não está na tecnologia. Está na atitude e na capacidade de não desistir do plano só porque “não há tempo” para fazer melhor e recusar-se a repetir fórmulas que não funcionam só porque “é assim que se faz”. Está no impulso de testar e depois ouvir, ajustar e depois melhorar, parar e pensar. Quem está à frente da curva, entre nós, não é quem aparece, e, são aqueles que tem a visão e sabe esperar pelo seu tempo.
Eis alguns exemplos concretos do que significa estar à frente da curva no nosso mercado: o Tupuca, a Sócia, a Mano, a Soba, e tantas outras a despontarem no mercado nacional. É o que fez o projecto BayQi quando percebeu que o consumidor angolano, quer pagar como lhe convém e adaptou o e-commerce à realidade do multicaixa express, dos pagamentos a prestações, e da entrega porta-a-porta com chamada prévia para identificar o comprador e a sua localização.
É o que faz a Refriango, que desenha marcas para diferentes grupos sociais e bairros, e até usa uma linguagem, canais e ritmos de activação próprios para atender ao segmento.
É o que fazem tantas PMEs que mantêm fidelidade com grupos de WhatsApp, redes de influência offline, e promoções alinhadas às datas e hábitos locais e não com o calendário das multinacionais. A inovação, por cá, tem sotaque, chão, plano.
Para que conste, não estamos a inovar por lançar um chatbot se ninguém antes respondeu às mensagens antigas. Faz me lembrar um ex-chefe a cada vez que pedíssemos um novo software, desafiava-nos a por numa folha excel e caso não fosse mais possível executar as tarefas, bastava pegar no código para desenvolver uma aplicação que atendesse a necessidade.
No fim do dia, inovar, não é fazer uma campanha em inglês para um público que se comunica em Kimbundu. Na certeza, porém, também não será usar uma música internacional quando há artistas locais que dizem o que a marca quer ser.
Estar à frente não é parecer moderno. É ser relevante.
Fazendo uma análise fria e dando uma resposta igualmente crua, o marketing angolano precisa de:
- Aceitar que nem sempre liderar é aparecer primeiro. Às vezes, é fazer com mais coerência.
- Admitir que nem todas as soluções podem ser digitais;
- Valorizar o conhecimento local do mercado informal ao comportamento comunitário.
- Ouvir mais os promotores, os vendedores, os clientes reais e questionar o algoritmo.
- Criar com propósito, sim, mas também com método. Porque só propósito sem estrutura é só boa vontade.
Para todos aqueles que trabalham no marketing em Angola seja em agências, empresas ou projetos próprios proponho este modelo prático de abordagem à inovação:
- Pensar: Antes de agir, perguntar. O que queremos mudar?
- Mapear: Como é o comportamento real dos nossos públicos? O que já fazem, e como?
- Traduzir: O que funciona noutros contextos, e como pode ser adaptado aqui?
- Protótipo: Testar em pequeno, ver o que resulta e se necessário, ajustar.
- Executar com verdade: Se não for coerente com o que a marca é, não vale a pena lançar.
Todo este ciclo nasceu da urgência de resgatar o marketing da espuma e devolvê-lo ao seu lugar original: o de ponte vital entre a intenção e acção.
Não foi meu objetivo evangelizar ou criticar por criticar, mas sim o de provocar o pensamento com afecto e exigência. E porque sei que muitos dos nossos leitores estão na universidade, em PMEs ou micro-projetos, e com base nos temas abordados neste ciclo, deixo aqui um segundo modelo de pensamento, mais genérico e sem pretensão, mas que julgo útil:
1. Pensamento: O que nos inquieta? O que está mal? O que falta?
2. Pesquisa: O que já foi tentado? O que funcionou noutros contextos semelhantes?
3. Análise: Com que meios contamos? Quais os limites reais? O que está ao nosso alcance?
4. Propósito: Porque vale a pena fazer isto? Para quem? Com que impacto?
5. Método: Testar, medir, aprender, voltar a tentar. A criatividade só é revolucionária quando é disciplinada.
Para sintetizar:
- Falámos do propósito como guia;
- Percepção como campo de batalha;
- Erro como matéria-prima da evolução;
- Reputação como obra lenta.
- Consistência como estratégia.
- IA como ponte, nunca como piloto.
E porque estamos a falar de IA caso só agora estejas a começar, e, não tens orçamento? Tens pensamento, não tens equipa? Tens curiosidade, não tens software? Tens acesso, seguem as minhas sugestões de ferramentas reais, que te podem ajudar:
- Miro –> Para estruturar ideias visualmente
- Notion / Obsidian –> Para pensar com método
- Canva / Figma –> Para fazer protótipos e testar hipóteses
- ChatGPT / Claude –> Para desbloquear escrita e simular cenários
- Trello / ClickUp –> Para gerir micro-projectos
A inovação começa no que se decide fazer melhor com o que já existe.
Para terminar, o fim de um ciclo é apenas isso o fim de uma fase. O que propus aqui não foi uma fórmula, foi um estado de espírito. Uma forma de ver o marketing como parte da solução e não como instrumento de distração. Propus-me fazer diferente e, sobretudo, a fazer valer a pena.
Este ciclo foi uma tentativa de pensar o marketing de forma menos publicitária e mais humana. Mais nossa, angolana.
Ao encerrar este ciclo, fica um duplo convite. Primeiro, para marcas e profissionais: que cada um saiba não só onde está, mas, fundamentalmente, para onde deseja ir, lembrando que o futuro não se antecipa, constrói-se com ideias, propósito, visão e ação contínua. Reitero: estar à frente da curva, no nosso contexto, exige visão prática, “com os pés no chão”. Implica agir mesmo sem condições ideais, e focarmo-nos em melhorar, ao invés de impressionar. O segundo convite é para todos: que se juntem a nós aqueles que questionam, que buscam quem faz diferente, que não hesitam em aprender. Porque é com essa atitude de paciência, consistência e compromisso que o futuro do nosso marketing se escreve.
Este foi o último episódio deste percurso.
Nota de Contexto
Este artigo encerra o ciclo com um alerta: inovar não é dizer que se inova. É resistir à pressão de parecer moderno e, em vez disso, ser relevante. Num mercado como o angolano, inovação verdadeira precisa de método, coragem e utilidade não apenas tecnologia ou estética de vanguarda.
Mini Caso Prático
Pix – Banco Central do Brasil (2020)
Criado pelo sector público, o sistema de pagamentos instantâneos Pix revolucionou o acesso financeiro no Brasil. Rápido, gratuito e amplamente adoptado, tornou-se o canal principal de transacções em menos de dois anos.
Lição: Inovação não precisa de palco. Precisa de propósito, escuta e execução metódica.
Contexto local: Em Angola, iniciativas de inter-operabilidade bancária poderiam inspirar-se neste modelo se houver visão sistémica e foco em utilidade pública.
Check-list Estratégico
- A nossa inovação resolve um problema real?
- Estamos a inovar para impressionar ou para transformar?
- Quem vai beneficiar da nossa solução e como?
- Há método, orçamento e validação por detrás da ideia?
- A nossa inovação dialoga com a realidade do nosso mercado?
“A inovação que importa não se exibe muda a vida de quem a usa.”
Leitura Complementar
- Clayton Christensen – The Innovator’s Dilemma
- IDEO.org – The Field Guide to Human-Centered Design
- MIT Sloan Review – What Real Innovation Looks Like
Nota de Autor
Este texto não é contra a inovação é contra o uso banal da palavra.
Ser “o primeiro” não é mérito se não houver impacto. Estar à frente da curva, para mim, será sempre construir algo relevante antes de se tornar moda, e manter-se aí, mesmo quando a curva já mudou.
Até ao Último Quilómetro.
Teodoro Fernandes é um estratega de marcas, curioso por natureza e apaixonado por ideias que transformam. Ao longo dos anos, tem ajudado organizações a encontrarem clareza na forma como se posicionam, comunicam e actuam sobretudo em contextos onde o marketing precisa de ser mais do que um discurso.