Pegado: Uma Marca Automóvel Com Chancela Made In Angola
No passado dia 06 de Agosto lançaram oficialmente o Macocola, o primeiro modelo de automóvel convencional da marca Pegado.
Mas desde Fevereiro deste ano que a Pegado Motors já comercializa em Angola o triciclo motorizado Baza Baza.
Bruno Pegado, fundador da Pegado Motors, falou ao Marcas em acção sobre o longo trajecto até ao lançamento do primeiro automóvel cuja marca é 100% angolana.
Quando é que surgiu o interesse pela indústria automóvel?
Sempre gostei do mundo do automobilismo. Desde criança, via karting e Fórmula 1. O meu pai levava-me a ver corridas de karting e eu sempre gostei daquilo. Também era fã do Ayrton Senna, Alain Prost, e por aí fora.
Por outro lado, o meu pai era um industrial. Foi o primeiro Secretário de Estado para a Indústria no primeiro Governo de Angola. Também foi o primeiro director da antiga textil SATEC.
Quando eramos pequenos tínhamos vontade de estar com o nosso pai e ele, com o pouco tempo que tinha, sempre que podia, levava-nos a visitar a fábrica. Então nós crescemos nesse ambiente industrial.
Outra curiosidade, o meu pai também costumava levar-me a ver os aviões, a aterrar e decolar, à noitinha, no Aeroporto 4 de Fevereiro. São estas recordações da minha infância que me marcaram e que mais tarde me levaram a empreender na indústria, automóvel e não só.
Como era uma criança asmática, não podia correr muito, não podia fazer algumas das brincadeiras normais de crianças. Como consequência, não cresci como uma criança “normal”, mas comecei a desenvolver uma maior aptidão para actividades mais criativas e realizadas com as mãos. Tanto que eu construía carros de mão, trotinetas e outros brinquedos do género. No fundo eu construía para aqueles que depois podiam brincar com as minhas construções.
E a vontade de ter uma marca automóvel?
Entretanto, fui viver e estudar fora. Quis seguir os passos do meu pai, que era formado em administração de empresas, por isso formei-me na mesma área: administração de empresas e marketing. Mas o “bichinho” dos automóveis manteve-se presente.
Em 2007, num convívio entre amigos, um deles fez uma profecia. Disse-me: “Pegado, eu estou a ver-te a gerir uma fábrica, com muita gente a trabalhar nela, e estão a construir automóveis. Algo com muito sucesso, que vai ajudar muita gente, principalmente aqueles com menos recursos”. Foi mesmo assim. E em momentos anteriores, eu próprio também já tinha tido sonhos parecidos. Sendo um homem crente, orei: “Deus, se isto é um sinal então mostra-me o caminho”.
Foi assim que em 2008 decidi que iria ter uma marca de automóveis. E, em homenagem ao meu pai, que falecera em 2001, registei a marca Pegado. Também porque sou angolano “de Cabinda ao Cunene”, fui mais longe. Quis prestar um tributo às minhas origens e à história do nosso país, por isso batizei os nossos modelos com nomes relacionados com a cultura, lugares e regiões de Angola.
Que passos se seguiram após a decisão de registar a marca?
Comecei por criar os primeiros esboços dos automóveis que idealizava e depois passava para a mão de especialistas chineses e de outras nacionalidades, para que fossem analisados e aperfeiçoados.
E nessa altura tive também a oportunidade de conhecer uma fábrica de automóveis, de uma ponta à outra. Fiquei fascinado com aquilo, e naquele momento ficou claro para mim: “Quero construir um carro Pegado”.
E depois daí?
O passo seguinte foi tentar encontrar parceiros e apoio financeiro, o que só viria a acontecer bastante tempo depois. Em 2011, um empresário chinês, o único que na altura acreditou no projecto, olhou para mim e disse: “Eu já fui como tu, um sonhador”. Apostou em mim, investiu no projecto e em 2011 demos início à fase de produção na China.
Como correu essa primeira tentativa de trazer a marca para o mercado?
Em 2014, trouxemos para Angola os primeiros equipamentos. No entanto, do meu lado as coisas não correram bem. Eu deveria criar o mercado. Em Angola, era necessário conseguir arranjar financiamento para a reprodução dos nossos modelos e não aconteceu. Também não consegui efectuar vendas significativas, e acabei por falhar o objectivo. A parceria acabou por deixar de existir, e durante algum tempo voltamos a estar novamente “parados”, apesar de, no papel, continuarmos a aperfeiçoar os nossos modelos em função do desenvolvimento técnico e das novas tecnologias ao dispor.
O que levou ao ressurgimento do projecto?
O ressurgimento dá-se quando decidi mostrar que um jovem angolano pode sonhar e concretizar esse sonho, mesmo não tendo apoios. Já não se tratava apenas do Bruno Pegado ou da Pegado Motors. Havia um propósito maior. Mostrar às gerações mais velhas que podem confiar em nós, as gerações mais novas. Mostrar que sou capaz de realizar tudo aquilo a que me propus fazer lá atrás.
E nesse momento houve mais apoio?
O apoio aos jovens não se faz apenas com dinheiro. O apoio moral, as palavras de incentivo, ouvir que “tu vais conseguir”, são muito importantes. E eu recebi muitos incentivos assim, de pessoas que eu não conheço. Nas redes sociais, recebi muitas mensagens de incentivo, encorajamento, e as pessoas nem imaginam a força que deram.
Houve necessidade de ir novamente à procura de parceiros? Como surge a nova parceria?
Em 2020, viajo para o Dubai onde procuro fazer contactos. Em 2021, sou convidado a voltar e sou surpreendido com um financiamento para começar a produzir as viaturas, para pagar depois de 5 anos. Após conseguir novamente apoio no estrangeiro, também em Angola um grupo de pequenos investidores decidiu apostar em mim e também ajudar a financiar o projecto.
Qual foi a primeira viatura que produziram?
O Baza Baza foi a primeira viatura que começamos a produzir e comercializar. No fundo trata-se de uma espécie de tuk-tuk (um triciclo motorizado) com um motor mais potente e com reforço de outras características como por exemplo o habitáculo que tem 9 lugares.
É uma viatura que está voltada para o auto-emprego e permite que pequenos empreendedores invistam no sector da mobilidade servindo as populações que precisam de se locomover, com uma solução económica.
E é fabricada em Angola?
Ainda não temos condições de fabricar cá, por limitações no fornecimento local de componentes que permitam o fabrico local, no entanto o Baza Baza já está a ser montado nas nossas instalações. Desde Fevereiro deste ano que o Baza Baza é montado em Angola, onde já foram vendidas algumas centenas de viaturas. Mas a sua estreia nas estradas aconteceu antes, na vizinha República Democrática do Congo.
Mas, entretanto, já houve novos lançamentos?
Sim. Finalmente, no dia 06 de Agosto, fizemos o lançamento oficial do nosso primeiro automóvel convencional, o modelo Macocola da marca Pegado, naquilo que consideramos ser o reinício da nossa trajectória.
Que público esperam servir com o Macocola?
É um carro popular, direccionado sobretudo à classe média baixa, e que entendemos ser actualmente o carro mais acessível em Angola em termos de preço.
Qual é o posicionamento da marca?
A Pegado Motors está no mercado para valorizar o potencial africano. Queremos mostrar que em África existem jovens com talento, sonhadores e com capacidade para produzir e sermos donos das nossas marcas. Queremos que quem tenha um automóvel Pegado se sinta orgulhoso por fazer parte da nossa trajectória.
Como olham para o futuro da marca?
O objectivo é continuar a inovar e a investir em Angola, ter cá a nossa fábrica, dar emprego e formar pessoas. Ter aqui o nosso hub comercial, com capacidade para vender localmente e além-fronteiras e ter orgulho em produzir veículos com a chancela Made in Angola.
Mas não estão apenas a produzir e comercializar veículos?
Outro projecto que estamos a trabalhar é o SETE – Sistema Electrónico de Transportes e Empreendedorismo, uma plataforma que vai permitir a gestão de frotas de veículos, tanto na vertente de transporte de passageiros como na vertente de transportes de mercadorias. A plataforma terá um aplicativo para os utilizadores finais puderem contratar o serviço de um táxi, por exemplo.
O SETE terá a particularidade de permitir apenas o registo de parceiros que possuam frotas de veículos Pegado. A plataforma será lançada nos próximos meses, em simultâneo em Angola e na RDC.